13/02/11

O CONDADO PORTUCALENSE (parte II)


Foi durante um desses passeios nocturnos, que D.Afonso Henriques lhe pregou mais uma das suas partidas. Estando D.Afonso VII entretido com uma camponesa num palheiro (não se estranhe os bizarros entretenimentos da realeza, pois temos de enquadrar as acções no seu tempo), o jovem Afonso roubou-lhe as ceroulas, que viriam a aparecer no dia seguinte penduradas no pau da bandeira da torre principal do castelo. O rei de Leão enfureceu-se de tal modo que quase sovou a golpes de cinto o seu endiabrado primo, no que foi detido pelo tutor do jovem príncipe, Egas Moniz.
O tutor responsabilizou-se pelo futuro bom comportamento do rapaz, e D.Afonso VII, farto de tantas partidas, decidiu voltar para o seu reino, não sem antes obrigar a que D.Afonso Henriques fosse, ele próprio, entregar lá a casa as chaves do condado Portucalense.

Mas D.Afonso Henriques não cumpriu a promessa e Egas Moniz teve de partir com a família para Toledo, de modo a apresentar desculpas públicas ao rei de Leão. Egas Moniz estava tão nervoso que deu um nó górdio na gravata, que lhe cortava a respiração, e como teve de aguardar imenso tempo na sala de espera das audiências reais, já quase sufocava quando o rei o recebeu. Perante tal acto de honradez e resistência à falta de ar, Afonso VII perdoa o primo e manda Egas Moniz em paz. Este nobre cidadão viria alguns séculos mais tarde a ganhar o primeiro prémio Nobel da medicina para Portugal e a ter direito a figurar nas notas de cinco mil escudos, numa singela homenagem do povo a um dos seus mártires. Há quem diga que era outro o Egas, mas não era.

Após este episódio, Afonso Henriques livrou-se da ameaça mas não se livrou da malandrice e foi durante uma das suas viagens exploratórias que veio a encontrar D.Teresa em atitudes e posturas pouco reais, na cama com um fidalgo galego de seu nome Fernão Peres de Trava. Ladino e esperto que nem um alho, o jovem Afonso viu que estava ali a sua oportunidade para alcançar a almejada independência e ameaçou a mãe, em como contaria tudo aos jornais, se ela não satisfizesse as suas pretensões.
D.Teresa compreendeu que, maior que o escândalo de aparecer na 1ª página do Correio-Mor da Manhã, seria a notícia da sua relação bastante próxima a um fidalgo estrangeiro (ainda por cima, galego!), o suficiente para fazer explodir o coração de um povo desejoso de independência e, por isso, fez as vontades ao filho.

Aproveitando os seus 17 anos, D.Afonso Henriques exigiu um aumento na mesada, permissão para chegar a casa mais tarde, um conjunto de cavalos de marca, o direito a receber em seus aposentos quem muito bem entendesse e, de bónus, a governação do condado. D. Teresa a tudo disse que sim, no entanto, quando se apanhou livre da chantagem do filho, fingiu-se esquecida da promessa de lhe entregar o condado. O caso viria ainda a originar várias discussões entre mãe e filho, até que numa noite fria de 1128, D.Afonso Henriques rodeou-se da sua pandilha de cavaleiros amigos e foi até ao jardim público de S,Mamede, onde sua mãe e o galego Fernão Peres de Trava estavam praticando actos libidinosos.

O casal de pombinhos levou um arraial de porrada de meia-noite (mais concretamente, das onze e cinquenta, segundo iluminuras da época) e foi já com os dois olhos hematomizados, que D.Teresa passou o governo do condado para as mãos do filho, sendo depois levada como refém para o castelo de Lanhoso.

Quanto ao galego, escapou-se de fininho assim que viu “o mar mais alto do que a terra”, levando com ele todo o seu grupo. Os portugueses tinham ganho o direito ao seu próprio governo, sem influência de estrangeiros, caso raro na história futura. Agora, com o seu grupo de camaradas e um povo inteiro à sua volta, vai um jovem príncipe, cheio do fogo do amor pela sua pátria (aquele que arde sem se ver), e senhor de um génio militar e político só comparável com ele próprio, talhar golpe a golpe os alicerces da grandeza futura de Portugal.

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