20/02/11

INDEPENDÊNCIA E ALARGAMENTO (i)

Senhor do poder e manda-chuva dos barões assinalados, após a vitória em S.Mamede, D.Afonso Henriques acha-se na necessidade de cobrar a D.Afonso VII a despesa que este tinha feito aquando da sua passagem por Guimarães, até porque os cobradores estavam a tornar-se cada vez mais violentos para com os devedores faltosos e as suas finanças não davam para mais do que alguns alqueires de gomas.

Só que invadir a Galiza e enfrentar os exércitos de D.Afonso VII não era tarefa fácil, para mais com o rei de Leão a jogar em casa. Afigurava-se um caso bicudo, e vai daí, bicudo faz lembrar cornos, que faz lembrar bois, que lembra touradas, que lembra pegas de cernelha. Foi esta associação de ideias que levou D.Afonso Henriques a enfrentar e a vencer os leoneses com uma arrojada técnica de combate que consistia em agarrar o adversário pelo fio do lombo, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Cernelha, em 1137.

Porém, o príncipe português não teve sequer tempo de organizar uma comemoração na taverna real porque a sul, os Mouros atacavam os seus domínios, irrompendo no mercado com uma força avassaladora, colocando pilhas, relógios, máquinas calculadoras, jogos e lanternas a preços verdadeiramente imbatíveis. Conquistam os mercados de Leiria e de Tomar, com as suas bancas ilegais que prejudicam o comércio tradicional e o nosso D.Afonso vê-se obrigado a pedir tréguas ao rei de Leão, no tratado de Tui, para poder ter as mãos livres para reprimir a ameaça moura na fronteira meridional.

Organizadas as tropas, emparelhados os cavalos e consoladas as viúvas, D.Afonso Henriques parte para o Alentejo, a defender as suas fronteiras ameaçadas, já que os alentejanos nada fazem para conter as invasões Sarracenas, preferindo dormir o dia inteiro à sombra dos chaparros que cobriam profusamente aquela região. O exército de vendedores infiéis era muito poderoso e contava com a orientação de cinco delegados sindicais muito hábeis na defesa dos direitos dos seus trabalhadores, o que mesmo assim não evitou a sua derrota completa, já que a forma de diálogo preferida por D.Afonso Henriques era a situada na ponta da espada.

Foi na batalha de Campo de Ourique que, segundo conta a tradição, houve um milagre no qual Cristo terá aparecido em sonhos a D.Afonso, antes da batalha, prometendo-lhe vitória cristã. Daí, as cinco chagas terem sido bordadas na bandeira portuguesa, após essa vitória. Por amor à verdade histórica, único lema que nos rege, não podemos pactuar com esta lenda até porque ela prefigura um caso de favorecimento do árbitro, antes do jogo. Na verdade, os sonhos vitoriosos de D.Afonso Henriques devem-se à ingestão de cogumelos silvestres e alucinógenos, que por lapso lhe foram parar ao prato. Quanto às cinco pintas vermelhas na bandeira, representam nada mais nada menos do que os cinco delegados sindicais mouros, de tendência comunista.
Vencida esta ameaça, D.Afonso Henriques, que já se auto-intitulava rei de Portugal, comummente aceite por falta de alternativas, pega no tratado de Tui (que havia sido escrito a lápis) e apaga-o, invadindo de novo a Galiza (esta fixação obsessiva pela Galiza é algo que, infelizmente, as modernas técnicas de psicanálise ainda não conseguiram explicar) e desafiando D.Afonso VII para um torneio de bridge em Arcos de Valdevez.

O torneio foi um sucesso de participações, em parte devido à boa organização e em parte pelo apelativo prize-money do título de independência para Portugal, que D.Afonso Henriques ganhou brilhantemente. Face a mais esta derrota e porque, na verdade, a soberania sobre tão insignificante território não valia todas as chatices e maçadas que o príncipe português lhe trazia, o rei de Leão decidiu assinar um convénio em 1143, dando independência ao condado, que se passou a chamar reino. Foi o tratado de Zamora-Machel, nome pelo qual ficaria também conhecido, já no séc. XX, o primeiro presidente de Moçambique independente.

Contudo, o processo de reconhecimento de independência de um país comportava uma tremenda carga burocrática, cujo ponto alto era a confirmação dada pelo papa. Foram necessárias toneladas de atestados, certidões, impressos, declarações, carimbos e assinaturas que apenas levaram cerca de 36 anos a conseguir reunir, graças aos bons ofícios prestados pelo arcebispo de Braga, D.João Peculiar (assim chamado devido ao enorme pecúlio amealhado com os dízimos cobrados ao povo), que intercedeu junto do papa Alexandre III, de modo a acelerar o processo.

13/02/11

O CONDADO PORTUCALENSE (parte II)


Foi durante um desses passeios nocturnos, que D.Afonso Henriques lhe pregou mais uma das suas partidas. Estando D.Afonso VII entretido com uma camponesa num palheiro (não se estranhe os bizarros entretenimentos da realeza, pois temos de enquadrar as acções no seu tempo), o jovem Afonso roubou-lhe as ceroulas, que viriam a aparecer no dia seguinte penduradas no pau da bandeira da torre principal do castelo. O rei de Leão enfureceu-se de tal modo que quase sovou a golpes de cinto o seu endiabrado primo, no que foi detido pelo tutor do jovem príncipe, Egas Moniz.
O tutor responsabilizou-se pelo futuro bom comportamento do rapaz, e D.Afonso VII, farto de tantas partidas, decidiu voltar para o seu reino, não sem antes obrigar a que D.Afonso Henriques fosse, ele próprio, entregar lá a casa as chaves do condado Portucalense.

Mas D.Afonso Henriques não cumpriu a promessa e Egas Moniz teve de partir com a família para Toledo, de modo a apresentar desculpas públicas ao rei de Leão. Egas Moniz estava tão nervoso que deu um nó górdio na gravata, que lhe cortava a respiração, e como teve de aguardar imenso tempo na sala de espera das audiências reais, já quase sufocava quando o rei o recebeu. Perante tal acto de honradez e resistência à falta de ar, Afonso VII perdoa o primo e manda Egas Moniz em paz. Este nobre cidadão viria alguns séculos mais tarde a ganhar o primeiro prémio Nobel da medicina para Portugal e a ter direito a figurar nas notas de cinco mil escudos, numa singela homenagem do povo a um dos seus mártires. Há quem diga que era outro o Egas, mas não era.

Após este episódio, Afonso Henriques livrou-se da ameaça mas não se livrou da malandrice e foi durante uma das suas viagens exploratórias que veio a encontrar D.Teresa em atitudes e posturas pouco reais, na cama com um fidalgo galego de seu nome Fernão Peres de Trava. Ladino e esperto que nem um alho, o jovem Afonso viu que estava ali a sua oportunidade para alcançar a almejada independência e ameaçou a mãe, em como contaria tudo aos jornais, se ela não satisfizesse as suas pretensões.
D.Teresa compreendeu que, maior que o escândalo de aparecer na 1ª página do Correio-Mor da Manhã, seria a notícia da sua relação bastante próxima a um fidalgo estrangeiro (ainda por cima, galego!), o suficiente para fazer explodir o coração de um povo desejoso de independência e, por isso, fez as vontades ao filho.

Aproveitando os seus 17 anos, D.Afonso Henriques exigiu um aumento na mesada, permissão para chegar a casa mais tarde, um conjunto de cavalos de marca, o direito a receber em seus aposentos quem muito bem entendesse e, de bónus, a governação do condado. D. Teresa a tudo disse que sim, no entanto, quando se apanhou livre da chantagem do filho, fingiu-se esquecida da promessa de lhe entregar o condado. O caso viria ainda a originar várias discussões entre mãe e filho, até que numa noite fria de 1128, D.Afonso Henriques rodeou-se da sua pandilha de cavaleiros amigos e foi até ao jardim público de S,Mamede, onde sua mãe e o galego Fernão Peres de Trava estavam praticando actos libidinosos.

O casal de pombinhos levou um arraial de porrada de meia-noite (mais concretamente, das onze e cinquenta, segundo iluminuras da época) e foi já com os dois olhos hematomizados, que D.Teresa passou o governo do condado para as mãos do filho, sendo depois levada como refém para o castelo de Lanhoso.

Quanto ao galego, escapou-se de fininho assim que viu “o mar mais alto do que a terra”, levando com ele todo o seu grupo. Os portugueses tinham ganho o direito ao seu próprio governo, sem influência de estrangeiros, caso raro na história futura. Agora, com o seu grupo de camaradas e um povo inteiro à sua volta, vai um jovem príncipe, cheio do fogo do amor pela sua pátria (aquele que arde sem se ver), e senhor de um génio militar e político só comparável com ele próprio, talhar golpe a golpe os alicerces da grandeza futura de Portugal.
 
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