25/02/12

A COSTA AFRICANA

Em 1433 sobe ao trono D.Duarte, filho de D.João I, e face às pressões da nobreza, farta de viajar para ilhas paradisíacas mas sem vida nocturna, pede ao irmão D.Henrique que fomente na sua agência a oferta de destinos mais exóticos. É assim que surge a ideia de promover safaris em África, onde os nobres pudessem gastar as suas energias em caçadas aos leões, leopardos, rinocerontes, mouros e animais afins. Para tal, era necessário conquistar algumas terras africanas, para edificar os hotéis e as reservas de caça. É então dada ordem a Gil Eanes para começar o lançamento de novos empreendimentos na costa africana.

Ao princípio, tal tarefa revelou-se complicada, pois o navegador português encontrava-se aportado no Cabo Não, assim chamado pela obstinação do chefe da alfândega em passar os vistos necessários para seguir viagem. As burocracias eram tremendas pois estavam a cargo do exército. Neste particular, era melindrosa e demorada a questão dos carimbos nos passaportes, da responsabilidade do cabo Bojador, o qual provocava em Gil Eanes um princípio de úlcera nervosa, por ver passar os dias sem se poder fazer ao mar.

Até que, numa manhã de chuva, Gil Eanes entra, completamente fora de si, nas instalações do porto do Cabo Não, e agarra o cabo Bojador pelos colarinhos, obrigando-o a colocar com os dentes o carimbo no seu passaporte. Depois de conseguir o que queria, aplicou uma joelhada no estômago do cabo Bojador, fazendo-o contorcer-se de dor, e partiu para a missão que D.Henrique lhe confiara. Pode assim dizer-se que foi depois de Gil Eanes dobrar o cabo Bojador, que a Agência Náutica de Sagres se lançou definitivamente para o sucesso nas viagens turísticas a destinos exóticos.

Os primeiros resultados aparecem dois anos depois, em 1436, quando o guia Afonso Gonçalves Baldaia descobre o Rio do Ouro. Baldaia ficou rico e baldou-se ao serviço, nunca mais sendo visto em paragem alguma. Pelo reino, D. Duarte ia governando um tesouro cada vez mais exíguo por via de uma despesa pública galopante. Para agravar a situação, algumas terras que eram propriedade da coroa eram arrendadas a nobres que as punham a render mas depois se esqueciam de as devolver nas datas combinadas, fazendo-o muito tempo depois e escapando ao pagamento da sisa, mais tarde, IMT. Devido a estes atrasos e esquecimentos, o povo apelidava estes nobres de “atrasados mentais”, o que inspirou D.Duarte a publicar a chamada “Lei Mental”, que faz retornar à coroa as terras, na data devida.

Entretanto, o negócio das viagens navega de vento em popa e para melhor satisfazer a sua clientela, D.Henrique decide diversificar negócios. Dado que um dos produtos de maior consumo nos seus cruzeiros era o sumo de tangerina, D.Henrique ocorre-lhe pedir a seu irmão D.Duarte que conquiste Tânger, zona de Marrocos especialmente conhecida pelas suas indústrias de sumo desse citrino. O rei concorda e dirige-se à Bolsa de Valores para fazer um take-over à Tânger Ina, S.A., empresa que controla o negócio do sumo.

Mas a operação bolsista corre mal. D.Duarte empenha-se até mais não, mas as propostas dos árabes são melhores, financiadas pelos petro-dólares. O rei e a sua comitiva de advogados ficam na penúria e os muçulmanos ficam muito desagradados com a atitude de D.Duarte, recusando-se até a emprestar algum dinheiro para a viagem de regresso. Após longas negociações, o rei português lá consegue algum auxílio, dando em troca o empreendimento turístico de Ceuta, que agonizava com a falta de fornecedores.
Assim que se apanham com os bilhetes de regresso na mão, os portugueses correm para apanhar a última caravela do dia, esquecendo-se de D.Fernando, o irmão mais novo do rei, que ainda estava a assinar o protocolo da venda de Ceuta. Resignado, heróico de virtude e amor à pátria, D.Fernando, o jovem infante, suporta todas as dores e humilhações de que é alvo por parte dos árabes, que riem na sua cara por a família se ter esquecido dele. Era precisa uma paciência de santo para suportar aquela chacota e em 1443, o “infante santo” como o povo lhe chama, não resiste e morre de tédio em Fez, sozinho, no meio dos maiores sacrifícios e sofrimentos.

Antes disso, em 1438, morre D.Duarte, um monarca que conseguiu o seu lugar entre as grandes figuras da cultura portuguesa, devido à sua personalidade rica e talentosa, como escritor, filósofo, moralista e teórico do desporto. Entre as suas obras contam-se “Leal Conselheiro”, “Arte de bem cavalgar toda a sela” e “Livro da misericórdia”, grandes best-sellers, se bem que, apesar de pouquíssimo divulgadas, obras como “1001 receitas de bacalhau”, “A arte de vender, passo a passo” ou “Reprodução doméstica de coelhos para totós” merecessem figurar nas antologias literárias portuguesas.

04/02/12

A EXPANSÃO (II)

Para lá do incremento turístico, o cluster das viagens radicais trouxe também o desenvolvimento das técnicas de navegação e dos instrumentos com elas relacionados, que chegaram a ganhar alguns certames, nomeadamente, algumas medalhas de ouro no Salão Internacional de Genebra. É o caso dos instrumentos de navegação astronómica (assim chamados pela quantidade astronómica de dinheiro necessário para os comprar), como a bússola, o quadrante (nome derivado do arcaico “quadrado andante”) ou a balestilha, instrumentos já utilizados pelos árabes, mas a quem os portugueses surripiaram os direitos de autor e fizeram algumas modificações, suficientes para evitar as acusações de plágio, táctica adoptada quatro séculos mais tarde pela indústria chinesa.

Os ventos e as correntes marítimas foram também anotados e estudados em cartas que os marinheiros depois mandavam às suas famílias. Como estas cartas vinham do mar, foram naturalmente apelidadas de “cartas de marear” e como a correspondência era muito intensa, os correios do mar tiveram um grande desenvolvimento, sendo a cartografia portuguesa considerada a mais desenvolvida da Europa do séc. XVI. Isto permite entender o sucesso verificado no séc.XX da empresa portuguesa Ndrive e os seus mapas para GPS.

Como as viagens da Agência Náutica de Sagres eram cada vez mais populares, as barcas utilizadas, vagamente semelhantes a cacilheiros, começaram a ser insuficientes para tamanha procura, pelo que começaram a surgir novos navios para as viagens-charter, sem paragens no caminho: as caravelas.
Estas, além de alojamentos que eram um mimo para a época, e se solários instalados no cesto da gávea, possuíam grandes capacidades tecnológicas para a navegação atlântica, pois bolinavam sobre o mar, iam até à Índia sem atestar depósito, tinham velas triangulares (que iluminavam na perfeição) e motores fora de bordo, que lhes permitiam navegar contra ventos e marés.

Como é óbvio, todo este sucesso da Agência Náutica de Sagres teve repercussões no Algarve, já que era daí proveniente a maioria da clientela endinheirada e sedenta de emoção, que procurava os seus serviços. A escolha de Sagres não tinha sido inocente, pois D.Henrique tinha conhecimentos de marketing e dos seus potenciais clientes, sabendo que os ingleses adoravam cerveja e o nome tinha potencial. Outro factor de menor importância, era que, para partida de viagens para sul, Sagres era o mais perto que se conseguia dos destinos e, portanto, com menores custos de exploração.
 
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