16/10/11

ENTRE MARIAS E LEONORES - O FIM DE UMA DINASTIA

No meio de todas as diatribes, D.Fernando tomou algumas acertadas medidas de fomento do bem público, embora não esteja ainda comprovado que não foram acções tomadas por acaso. Entre elas, conta-se o desenvolvimento do comércio naval e da marinha, para o qual fundou, em Lisboa e no Porto, a “Companhia das Naus, SA”, sociedade de aluguer de navios de longa duração, companhia muito útil aos burgueses que viam suas embarcações a navegar como o prego ou a serem atacadas por piratas com olho de vidro, perna de pau e cara de mau. Não confundir com piratas de cara de pau, pertencentes às finanças do reino.

Do abandono dos campos e do aumento da vagabundagem surgiu outra das medidas emblemáticas. Da sua varanda sem marquise, D.Fernando verificava que os campos à sua volta estavam cada vez mais em pousio, mas o que mais o intrigava era ver, à sombra de um sobreiro, seis mulheres que ali passavam as horas, dia após dia, aparentemente sem nada fazerem, o que o intrigava sobre qual seria o seu modo de vida. Enviando lá seu pagem, este trouxe a explicação: as seis mulheres tinham todas o nome de Maria. A primeira era Maria Antonieta e nada fazia. Depois Maria Carolina observava a companheira e Maria Octaviana reportava os que as duas primeiras faziam. Havia também a Maria Terência que ouvia a Maria Octaviana e a Maria Rapaz, que confirmava o que ela dizia. Por fim, estava a Maria Vai Com As Outras, que ajudava as restantes. Perante tamanho exemplo de vadiagem com tantas terras por cultivar, D.Fernando decide publicar uma lei que solucione o problema: nasce a “Lei das Seis Marias”, que obriga todos os vagabundos a lavrarem as suas terras. Esta lei é também a institucionalização de um programa de ocupação temporária, com o objectivo de disfarçar a taxa de desemprego.

Por regra, D.Fernando trouxe mais problemas à coroa do que benefícios. Entre aqueles se conta a sua fixação por mulheres chamadas Leonor, ou, na palavra de Fernando Lápis, cronista-mor, uma verdadeira tara. Primeiro, comprometeu-se em casar com Dª Leonor, filha do rei de Aragão, mas abandonou a noiva à porta do registo civil porque, entretanto, se apaixonara por Dª Leonor, filha do rei de Castela, prometendo casar com ela. Só que D.Fernando tinha alma de político em campanha e, mais uma vez, faltou ao prometido por via da paixão assolapada por Dª Leonor Teles, que escritos da época descrevem como “senhora de mau porte e maus sentimentos, que não era séria”.

Daqui se depreende que Dª Leonor Teles era corcunda, invejosa e gostava de contar anedotas, sobejos motivos para que a população não gostasse dela. E quando D.Fernando a decide tornar primeira dama do reino e povo revolta-se em motim popular liderado pelo alfaiate Fernão Vasques, que dizia não haver tecido suficiente no reino para fazer um vestido de noiva à senhora. Dª Leonor Teles tomou isso muito a peito (que o tinha, generoso), e assim que convenceu D.Fernando a um casamento secreto em Leça do Balio, tratou de mandar executar os instigadores do motim, incluindo Fernão Vasques e todos os seus manequins de madeira. Terrível golpe para a moda portuguesa, do qual ela nunca mais haveria de recuperar, e terrível golpe para o país, que ficou sob o domínio de uma rainha que, embora não andasse com o rei na barriga (só teve uma filha), era suficientemente hipócrita, snob e convencida, para que as revistas sociais se interessassem por ela e a apresentassem em capa de todas as edições.

Em 1383 morre D.Fernando, esquecendo-se de fazer um filho antes disso, o que faz com que Portugal entre num grave período de crise social. É também agora que se dá o fim da primeira dinastia, chamada de Dinastia dos Afonsinhos. Antes de passarmos à fase seguinte, é de toda a utilidade que os nossos jovens leitores nos acompanhem num breve resumo sobre quem foram os reis deste período, matéria que poderá ser muito utilizada na construção de futuros auxiliares de memória a usar nos testes.
Esse resumo será o nosso próximo capítulo.

08/10/11

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO (parte III)

O reinado de D.Afonso IV marcou o início de um período de crise social (mais outro). A população fugiu do interior para o litoral, em busca de praias e bons empregos nas cidades, deixando os campos ao abandono. Tudo se agrava em 1348, com aquilo a que os historiadores (da escola Ariana) costumam designar por Peste Negra, que se traduziu na vinda ilegal para o país de milhares de trabalhadores africanos, que ofereciam o seu trabalho por metade dos salários habituais para os servos da gleba locais.

Este período é designado por peste, uma vez que os trabalhadores que tinham vindo do interior, viam agora os seus postos de trabalho ocupados por africanos ilegais, ficando, por isso, sem emprego, sem sustento e morrendo aos milhares. Durante este período, a população decresceu cerca de um terço, assim o demonstram os censos, embora haja dúvidas sobre a autenticidade destes números, pois, por um lado, os inquéritos não eram preenchidos pela internet, o que dava azo a falsificações e, por outro, o próprio fenómeno da peste apanhou alguns dos responsáveis pela estatística, que morreram antes de completar os recenseamentos. Alguns anos depois, tão misteriosamente como tinha surgido, este período, dos mais negros da nossa história, cessou.
Mas o reinado de D.Afonso IV também teve coisas boas, entre elas a inovação na justiça que, até aí, era administrada por “juízes da terra” - do lugar onde ocorriam os problemas. Ora, devido à sua função de aplicação da justiça, o juiz era considerado um santo homem e, como diz o povo, santos da terra não fazem milagres. Acresce que, por vezes, obter justiça era um milagre, portanto, os homens da terra poderiam falhar. É então que D.Afonso IV descobre o ovo de Colombo (ainda antes do dito) ao inventar a figura de “juiz de fora”, mais independente que o “juiz de dentro” - ao fim e ao cabo, um protótipo do pensamento neo-liberal de administração da função pública, de contratação externa de serviços para algo já assegurado pelo pessoal contratado.

A patente de tal invenção rendeu-lhe bom dinheiro, mas não o suficiente para resolver a crise económico-social que se instalara. Greves, manifestações do operariado e ordens para apertar o cinto (para os que o tinham, dado não ser acessório muito em voga na época), marcavam o ritmo de uma época conturbada. É neste cenário que se dá o episódio dos amores de Pedro e Inês, bastante comentado pela imprensa da época e que até motivou Camões num dos seus devaneios poéticos, o que veio ajudar à propagação do mito. O propósito do autor desta obra (a VERDADEIRA história de Portugal, não os devaneios poéticos) é o de não enganar ninguém, pelo que se opta por contar os factos verídicos e não a versão romanceada que se ensina por aí.

O filho de D.Afonso IV, príncipe D.Pedro, ficou subitamente viúvo pela morte de D.Constança e, pouco depois, tratou de arranjar nova companhia, pois um membro da família real tem a todo o custo de deixar descendência (veja-se o caso de D.Duarte Pio, nos últimos anos do século passado). Após várias tentativas frustradas para encontrar abrigo num colo acolhedor, D.Pedro decide recorrer aos serviços de uma agência matrimonial especialista em juntar pessoas compatíveis. O resultado dos vários testes de sangue e exames psicotécnicos, indica o nome de D.Inês de Castro, senhora de origem castelhana e rara beleza, que imediatamente arrebata o coração de D.Pedro, pronto para o casamento (e também para o acasalamento).

Mas nem tudo era tão fácil como à primeira vista se supunha. O casamento de um rei exige certas burocracias e formalidades a cumprir. Para mais, D.Inês era castelhana e havia o problema da legalização dos estrangeiros, além de que, os funcionários encarregues do processo (Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco) eram escriturários pagos à hora, interessados em arrastar o mais possível todo o trabalho que tivessem entre mãos. Demoraram-se eternidades, exigiram-se mil e um documentos e as preocupações foram tantas que, entretanto, D.Inês morreu com um ataque de stress pré-matrimonial agudo. D.Pedro entrou numa melancólica depressão nervosa e apenas o ombro amigo da sua mãe D.Beatriz o conseguiu consolar um pouco.

Assim que sobe ao trono, em 1357, D.Pedro adquire uma segunda personalidade, que se vai vingar dos três funcionários burocratas. De dia, ele é D.Pedro I, o rei que vai colocá-los em tribunal com processos por conduta criminosa e lentidão provocadora de danos morais. De noite, ele veste-se de negro e é “Peter-the-avenger”, escrevendo centenas de processos que envia para a agência matrimonial, sobrecarregando os três funcionários com trabalho extra sobre clientes fictícios. Os efeitos de tal vingança são devastadores: Álvaro Gonçalves morre de enfarte cardíaco, a carimbar papéis; Pêro Coelho apanha um esgotamento nervoso a tentar arquivar processos e fica demente mental para o resto da vida; Diogo Lopes Pacheco consegue escapar porque se encontra em férias numa casa de campo do Ribatejo, mas morre no último dia de descanso, colhido por um touro bravo.

Consumada a vingança, D.Pedro tenta voltar à pacatez da sua vida de rei, que no entanto é quebrada de quando em vez por determinações do Papa, que tinham força legal no país, sem o conhecimento do rei. Para contrariar tal costume medieval, D.Pedro institui o “Beneplácito Régio”, forma de português arcaico para a expressão “bem plácido régio”, ou seja, rei bem descansado, o que significava que não quereria ser apanhado de surpresa por um decreto papal e, por isso, cada intervenção da cúria romana na vida portuguesa teria de ser, primeiro, aceite ou não pelo rei.

Em 1367 sucede-lhe o seu filho D.Fernando e, se por um lado tenta salvar o reino da crise que seu pai não resolvera, por outro, o seu bichinho carpinteiro da conquista começa a rabiar e ele lança-se em guerras com Castela. Em busca de terras para conquistar (e por falta de opções, há que reconhecer), D.Fernando lança-se por três vezes contra os vizinhos castelhanos e por três vezes apanha porrada de três em pipa para contar aos netos.

Umas vezes sozinhos, outras acompanhados pelos ingleses (é desta data a aliança luso-inglesa, a mais antiga do mundo e que tantos problemas nos trouxe mais tarde, só resolvidos no Euro 2004), os portugueses apenas conseguiram fazer com que os castelhanos se chateassem a sério, invadindo o nosso reino e cercando Lisboa durante uns tempos. Só depois, D.Fernando cai em si e passa a ter juízo, pois já tinha idade para isso.
 
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