18/09/11

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO (parte II)

Em sequência ao relatado no capítulo anterior (se não se lembra, é favor retroceder e ler), D.Dinis era um dos reis mais amados pelos portugueses. Porquê? Porque além da sua personalidade, tinha a seu lado um verdadeiro anjo da guarda, que era a rainha D.Isabel de Aragão.

O povo e a igreja chamavam-lhe Rainha Santa e é um facto que D.Isabel fazia ,milagres para esticar o orçamento familiar e conseguir alimentar o numeroso agregado. Pois se um rei ganha bem, também é verdade que tem muitas despesas a que fazer face e a sua mesa não era tão farta e rica como o povo supunha. Se havia dias com faustosos banquetes, isso devia-se à gestão doméstica de D.Isabel, de quem diz a lenda transformava rosas em pão, para poder encher a mesa.
Também o ambiente familiar era cheio de tensões. D.Dinis era muito esquisito com a roupa limpa e passada a ferro, gostava de refeições a horas certas e de ler o pergaminho em silêncio. O seu filho, D.Afonso, era rebelde e intratável, invejava os filhos ilegítimos de seu pai e aguardava a feitura do testamento para se assegurar que ficaria com tudo. O irmão de D.Dinis cobiçava-lhe a casa, a mulher e os cavalos, embora tivesse vindo a morrer antes de conseguir qualquer das três coisas. Todas estas disputas familiares foram resolvidas por D.Isabel (que tinha uma paciência de santa), inclusivé a disputa entre pai e filho que no campo de Alvalade ameaçou o país com uma guerra sangrenta. A rainha santa apareceu como um anjo bom, espalhando a concórdia entre as partes e resolvendo a contenda. Apesar disso, um terrível estigma abateu-se sobre todos os campos de Alvalade e, até hoje, os seus proprietários desesperam por algo de bom...

Antes de morrer, em 1325, D.Dinis expressou o seu desejo de ser sepultado num convento em Lisboa. Contudo, a especulação imobiliária levou a que se tornasse incomportável fazer um convento na capital, pelo que, após pesquisas com a Remax, a escolha tenha recaído em Odivelas, onde hoje repousa o seu túmulo. Sobe ao poder o seu filho, D.Afonso IV, que, mantendo seu espírito rebelde e na falta de terras para conquistar aos mouros, lança-se em guerras com quem encontra pela frente. Primeiro, com o seu meio-irmão Afonso Sanches, que o tenta envenenar. Contudo, dado que o veneno não era grande coisa, o máximo que Afonso Sanches consegue é uma violenta cólica intestinal em D.Afonso IV, o que o deixa irritadíssimo (do cólon e de espírito) e com vontade de decapitar seu meio-irmão. Mais uma vez, é a sua mãe, rainha santa Isabel que consegue pôr um fim a esta guerra familiar.

De seguida, este jovem rebelde lança-se sobre Afonso de Castela e também aqui os historiadores têm induzido o povo em erro, quanto aos motivos desta guerra com o reino vizinho. Alguns defendem que a guerra se deu porque o rei de Castela não deixava passar uma moçoila, D.Constança, que já catrapiscava o filho do rei português. Outros avançam com a hipótese que D.Afonso IV se meteu ao barulho porque a sua filha (casada com D.Afonso XI de Castela) sofria de maus tratos em casa, obrigada a lavar tachos e coser meias de sol a sol.

Pois a verdade é outra, e vem contada por Mestre Fernão Lápis, contador-mor do reino, numa crónica recentemente encontrada nas despensas da Torre do Tombo, já meio roída pelos ratos. Ali se descreve que D.Afonso IV se enfureceu ao saber que o rei vizinho lhe plagiara o nome Afonso acrescendo apenas um XI só para ostentar superioridade, o que levou o rei português a declarar-lhe guerra só para limpar esta afronta. Porém, o papa Bento XII serviu de medianeiro e estabeleceu acordos de cessar-fogo entre as partes.

No entanto, um ano depois, já o rei de Castela pedia ajuda ao de Portugal, pois os seus domínios estavam a ser invadidos por um poderosíssimo grupo comercial muçulmano, que tenta alterar os hábitos dos habitantes da Península Ibérica, fazendo-os adoptar na sua alimentação saladas preparadas segundo o Corão, sem carne de porco, mas com tâmaras e cous-cous, entre outros ingredientes. Ora o rei de Castela, católico por tradição, não poderia consentir que a tradicional salada de alface e tomate fosse substituída. Aos castelhanos faltaram tomates para enfrentar a situação como homenzinhos e tiveram de recorrer aos portugueses. D.Afonso IV arma um pequeno mas potente exército e parte em auxílio de D.Afonso XI, falando mais alto o seu sentido de dever do que as desavenças com o genro. E é isso que faz os portugueses darem uma valente coça nos muçulmanos, obrigando-os a recuar para Marrocos. Foi a batalha da Salada em 1340, e nela ficou patente quem tinha audácia e tomates na Península Ibérica.
 
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